CORRUPÇÃO: A VICISSITUDE DO PODER: Artigo publicado na Revista dos Tribunais, vol. 967/2016 (Caderno Especial Corrupção), e disponível na Revista dos Tribunais Online Essencial.
"IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do
CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do
Exército - ECEME, Superior de Guerra - ESG e da Magistratura do Tribunal
Regional Federal – 1ª Região; Professor Honorário das Universidades
Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis
(Romênia); Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e
da PUC-Paraná, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal);
Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO - SP; Fundador e
Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária -
CEU/Instituto Internacional de Ciências Sociais - IICS.
A política leva muita gente à corrupção. O poder público também.
Burocratas e políticos correm sérios riscos de resvalarem para a
corrupção. Nela se inclui, também, a corrupção afetiva, o nepotismo, as
concessões por vaidade humana, além do que é mais comum, a corrupção
pura e simples por dinheiro.
O que entendo importante, todavia, realçar, no momento político que
o país atravessa, é que, nas lições marxistas, os fins tudo justificam.
Os meios mais variados são admitidos, não sendo a ética o elemento
essencial para atingir os objetivos colimados. Tudo vale para eliminar
os inimigos do povo, ou seja, todos aqueles que não pensam como os
marxistas.
A política brasileira está repleta de integrantes de uma esquerda
que segue a cartilha marxista. Acreditam - em admirável demonstração de
profissão de fé - em tudo o que seu mestre escreveu e agem de acordo.
Bradam pela ética quando estão na oposição, mas, no poder, não se pautam
por ela. Não hesitam, na busca dos fins esculpidos por sua ideologia,
em romper com todos os valores da democracia ocidental. Acham mais fácil
invadir terras produtivas, estuprando a Constituição, o Código Civil e o
Código Penal, do que conquistá-las, como todo cidadão brasileiro,
dentro da lei. Por isto não têm coragem de fazer o “teste” das urnas.
Para os que o fazem, o que mais importa é tomar o poder para realizar os
ideais da esquerda marxista.
Nas democracias modernas, em que o pensamento político é
multifacetado, o poder conquistado pelo voto popular acaba sendo
exercido em coalisão com os partidos mais votados, com o que a
representação popular torna-se autêntica. Já a esquerda marxista,
quando, disfarçando sua anacrônica ideologia, consegue alcançar o poder
pelas urnas, recusa-se a partilhá-lo. Se não houver maioria, compram-se
os aliados! Mais do que isto Partido e Governo são a mesma coisa.
Por outro lado, como entendem que aquilo que consideram bom para o
país é uma verdade absoluta, os líderes marxistas não se sentem
obrigados a prestar contas. Não se consideram antiéticos ou aéticos,
porque, na sua visão, como os meios são justificados pelos fins,
corromper é apenas uma forma de manter o poder não dividido.
No Brasil, começa-se a perceber que os guerrilheiros do passado,
que pegaram em armas para substituir o regime militar por um regime
marxista e não foram bem-sucedidos, ao conseguirem o poder, nos dias
atuais, preferiram aliciar aliados com mensalões, Petrolão ou Caixa 2, a
governar com a maioria.
Nesta linha de ter o poder absoluto, procuraram eliminar os
direitos do cidadão, sufocando sua voz, mediante tentativas – felizmente
frustradas - de implantação do Conselho Nacional de Jornalismo, da
Ancinav, do controle externo amplo da Magistratura e do Ministério
Público, do controle da advocacia e outras iniciativas semelhantes.
Felizmente, a imprensa livre tem cumprido exemplarmente o seu papel de
alertar o povo e permitir que a verdade apareça.
Se me perguntarem se os ilícitos que, dia a dia, são desventrados
pela imprensa, pelas CPI’s, pelas revelações dos envolvidos prestadas na
polícia e junto ao Ministério Público, são demonstração de desvio de
caráter dessas pessoas, responderei que não. Acreditam eles na velha
máxima de que o ideal maior de implantação de uma república marxista
tudo justifica, inclusive a corrupção - meio inidôneo, mas útil ao seu
desiderato.
Cristo teve 12 apóstolos. Um deles o traiu. Era exatamente o que
cuidava da bolsa, manipulava o dinheiro. Pode ter sido uma coincidência,
mas, em face do livre arbítrio que Deus outorga a todos os seus filhos,
foi ele mau usado. E vendeu Cristo por dinheiro, tendo se arrependido -
não como Pedro - e, no desespero, cometeu um segundo ato tresloucado, o
suicídio.
Lord Acton ao dizer que o Poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente não fez senão afirmar o óbvio.
Um dos aspectos interessantes da corrupção reside na gradativa
insensibidade que o corrupto vai adquirindo, como o drogado, nos seus
desvios de conduta.
Hitler, no dia 27 de abril de 1945 --isto é, 3 dias antes de seu
suicídio-- fez observação anotada por seus biógrafos, segundo relatos
daqueles que ficaram no “bunker” com ele, que serve para mostrar a
insensibilidade que o poder vai gerando. Disse: “Se de alguma coisa
tenho que me arrepender é de ter sido tão generoso com as pessoas”.
Todos os preços públicos são maiores do que os preços privados, no
mundo inteiro, porque neles está incluído o preço da corrupção. Os
corruptos recebem uma porcentagem paga por fora.
Campos Salles foi um presidente brasileiro que entrou rico na
política e saiu pobre. A grande maioria dos políticos --que só vivem de
política e com subsídios e vencimentos parcos, se comparados aos padrões
internacionais-- entram pobres na política e dela saem ricos.
Nunca se falou tanto em ética no mundo inteiro e nunca se viu
tantos problemas espocarem nesse campo, diariamente, desvendando
corruptos, na burocracia e na política.
Outro aspecto negativo é a conotação ideológica. Quando os órgãos
responsáveis pelo combate à corrupção têm preferências ideológicas,
passam a ser seletivos. Lutam para descobrir a podridão dos que tenham
ideologia diferente e escondem a podridão dos que pensam como eles,
tornando-se --mesmo que não recebendo dinheiro do poder-- corruptos de
outra espécie, ou seja, “corruptos ideológicos”.
Política e corrupção. Poder e corrupção. Burocracia e corrupção.
São características permanentes dos homens que dominam os povos,
considerando-se mais dotados que a sociedade para subir na vida, à custa
dela.
O povo tem pouca atuação consciente nos destinos dos governos. Seja nas ditaduras, seja nas democracias.
Quase todos os políticos têm projetos pessoais e utilizam-se de
seus eleitores para realizá-los. A demagogia é a essência da sua
pregação. Já não se importam em ser transparentes ou altruístas, mas
apenas em impressionar bem.
A imagem do político não é construída a partir de sua atuação como
homem público, mas aquela que o assessor de imprensa, o homem da
publicidade, denominado “marqueteiro” da mídia, constrói.
Nada é tão distante do político atual quanto a imagem dele que os
homens de mídia por ele contratados edificam perante o público e que
deve ser seguida à risca para que tenha viabilidade eleitoral.
Em outras palavras, o eleitor vota não no político como ele é, mas
na imagem dele produzida por especialistas em ilusões. Criam um herói
cinematográfico e vendem esta imagem, como se fosse de um idealista
dedicado à pátria e aos interesses da comunidade.
Uma vez eleito, seu compromisso com o eleitorado deixa de existir e
só o retomará, novamente, nos últimos meses de seu mandato para,
novamente contratando os “especialistas da ilusão” –muitas vezes “os
especialistas da mentira”--, venderem sua imagem de dedicado cidadão e
agente público exemplar.
Em qualquer país do mundo democrático e especialmente no Brasil, os
melhores marqueteiros são os que vencem as eleições e são disputados a
peso de ouro.
À evidência, o compromisso do marqueteiro é com sua profissão,
“vender ilusões”; não tem nenhuma vinculação com os ideais dos
candidatos que “produz”.
Por esta razão, é que a democracia, no mundo, é uma singela
democracia de acesso, tanto mais frágil quanto mais o regime vincular-se
às soluções presidenciais e não parlamentares.
É que, no sistema parlamentar de governo, a alternância no poder é
mais rápida e só nele permanece o político consistente. Margareth
Thatcher governou a Inglaterra 11 anos e apenas perdeu por ter
acreditado que o aumento de tributação seria irrelevante. O povo reagiu e
ela foi derrotada.
O político – a maioria, visto que há sempre algumas exceções — é
alguém que faz do carreirismo, fisiologismo e infidelidade partidária
seu ideal de vida, razão pela qual, por pensar somente em si e pouco nos
representantes e na pátria, não auxilia o desenvolvimento da nação, nem
a solução dos grandes problemas.
Dir-se-á que esse é um mal necessário da democracia, pois, de
tempos em tempos, deve correr novamente atrás de novos eleitores, mas,
para tanto, conta sempre com os marqueteiros de ocasião.
Há de se convir, entretanto, que a verdadeira democracia está longe
do retrato que os políticos da atualidade no mundo inteiro apresentam
--decididamente um péssimo retrato. E a democracia atual é apenas menos
ruim que a ditadura.
Nas democracias, à evidência, há um verniz de atuação, reduzida à
participação na escolha dos governantes, que, todavia, é fantasticamente
manipulada pelos marqueteiros da ocasião.
A manipulação para a conquista do poder é a característica maior da
democracia de acesso, sendo, o verdadeiro eleitor dos candidatos, seu
homem de comunicação social. A obra do candidato, seu desempenho, sua
personalidade, são quase sempre reconfigurados para melhor, pelo
marketing político.
O povo não manda, nada decide, tudo suporta.
Grande parte dele não tem condições de julgar o que é verdade e o que é mentira nas campanhas eleitorais.
Nos países emergentes, a incapacidade popular é ainda maior e a
manipulação mais fácil. Conforme o grau cultural ou as tradições dos
povos, as manipulações podem gerar fanatismo e dependência a líderes
carismáticos.
Nestes países, os que controlam a opinião pública são os que
auxiliam aos governantes a governar, independentemente do povo.
Não significa, todavia, que o povo não seja manipulado, nos países desenvolvidos.
As fortunas que se gastam nas campanhas eleitorais são ainda
maiores do que nos emergentes e a elite dos grandes grupos empresariais,
sindicais e de interesses corporativos da Administração terminam por
conduzir as eleições não necessariamente para o melhor, mas quase sempre
para o candidato que contratou o melhor publicitário. Quem decide a
eleição, pois, não é o povo, mas o homem da propaganda.
Prometer, em política, não compromete. Todos os candidatos sabem
que seu compromisso com o programa de campanha é nenhum. Por isto
prometem tudo e não cumprem quase nada.
A omissão das elites e a permanente incapacidade do povo de
distinguir entre “marketing” e “verdade”, além da falta de mecanismos
jurídicos para controle dos detentores no poder, tornam a sociedade, de
rigor, mero instrumento de domínio dos políticos.
Por esta razão, talvez, é que prestar serviços públicos não seja a
primeira preocupação dos governantes, mas sim a de manter o poder a
qualquer custo, sendo certo que, se houver tempo e se o dinheiro não for
totalmente desperdiçado, algo se fará, de preferência obras de
“visibilidade eleitoral”, mais do que de conteúdo cívico.
Desta forma, uma “obra faraônica”, que dê visibilidade, é mais
importante do que multiplicar pequenas escolas para educação do povo,
visto que seu “retorno político” é pequeno.
O povo, em outras palavras, é apenas um elemento da atuação dos
políticos, para ser manipulado em causa própria, valendo, os programas
sociais, apenas para promovê-los.
Estou absolutamente convencido de que o povo só participará de uma
democracia real, no momento em que puder controlar os governos e os
governantes se reconhecerem como seus servidores.
Em verdade, todos os governantes são apenas e exclusivamente
“servidores” do cidadão. Não são seus senhores feudais. Devem-lhe
respeito. Devem-lhe prestar contas por sua representação. E devem honrar
o mandato recebido de acordo com o programa apresentado na campanha
eleitoral.
Na democracia que idealizo para meu país, o cidadão deveria ser o
senhor absoluto de todos os direitos sobre os governantes e estes,
apenas seus servidores. Quem quisesse, como nas ordens hospitalares da
Idade Média, servir ao povo, deveria abdicar de seus privilégios e ter
como meta o bem da sociedade e não o próprio bem. Caso contrário, seria
melhor continuar, fora da política e do governo, pois o serviço público
exige “sacerdotes” e não “aproveitadores”.
Na verdadeira Democracia, quem merece o tratamento de “Sua
Excelência” é o cidadão. Não o agente público, quer seja ocupante de
cargo administrativo ou eletivo, eis que sua presença nos quadros de
qualquer dos poderes só se justifica enquanto sirva ao povo, e nunca
quando passe a usufruir do poder como coisa própria, perseguindo
inimigos e privilegiando amigos.
Na verdadeira Democracia, os direitos individuais deveriam ser
garantidos por governos preocupados na promoção da sociedade. Apenas no
dia em que os cidadãos tiverem consciência de que são mais importantes
do qualquer burocrata ou político, é que poderão implantar o verdadeiro
regime democrático. Até lá, serão apenas “administrados”."
Fonte: http://www.livrariart.com.br/pagina/revista-dos-tribunais-vol967-2016