esses últimos anos, empresas contraíram dívidas em dólar para importarem insumos mais baratos, em detrimento das cadeias de fornecedores nacionais. Essa mudança no câmbio vai refletir muito em breve no bolso dos consumidores brasileiros, que terão que pagar mais caro nas lojas, pelos produtos manufaturados.
Veja o que diz o artigo dos jornalistas Raquel Landim e Luiz Guilherme Gerbelli, do Jornal O Estado de S. Paulo
A indústria está sempre
reclamando do real forte, que prejudica a competitividade, reduz a utilização
de insumos locais e desestimula investimentos. Mas quando a tão esperada
desvalorização parece ter chegado, a notícia não é tão boa assim. A brusca
variação do dólar - que saiu de R$ 1,59 no fim de agosto para R$ 1,84 na
sexta-feira, alta de 15,5%, e bateu R$ 1,91 na quinta - pegou as empresas no
contrapé.
O setor privado não esperava mais
por esse movimento e não criou mecanismos de defesa contra o câmbio valorizado.
Nos últimos anos, as companhias se endividaram em dólar e desenvolveram uma
extensa rede de fornecedores no exterior. Em setores como eletrônicos, bens de
capital e até autopeças, o problema pode ter se tornado crônico, porque ocorreu
um desmonte das cadeias produtivas locais.
Se a reviravolta do mercado de
câmbio não for um ponto fora da curva como na crise de 2008, as empresas vão
sofrer com a alta dos insumos importados e das despesas financeiras em dólar.
Companhias relatam que os custos já estão subindo à medida que faturam os
insumos nos portos. Até agora, optaram por absorver a alta dos custos com
redução do lucro, mas, se o real ficar acima de R$ 1,80, os reajustes serão
incontornáveis, com consequências para a inflação.
"Vamos suportar com redução
de margem, mas será inevitável algum repasse, que varia muito conforme a
mercadoria", diz Benjamin Sicsú, vice-presidente de novos negócios da
Samsung. "Com alta de 15% a 20% nos custos em 40 dias, não tem matemática
que resolva", completa. Domingos Dragone, diretor comercial da Black &
Decker, conta que o mercado está agitado, mas não é sensato reajustar preço
enquanto a direção do câmbio está indefinida.
"O que choca é a sensação de
que seguimos sujeitos a chuvas e trovoadas no câmbio."Para Fernando
Ribeiro, economista-chefe da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior
(Funcex), "a indústria brasileira se tornou estruturalmente dependente de
insumos importados, num processo que começou na década de 90, mas se
intensificou nos últimos sete anos". A participação dos importados no
consumo de bens industriais saiu de 10,5% em 2003 para 20,4% em 2010. Com essa
mudança, variações bruscas do câmbio desorganizam os negócios.
Na semana passada, a
Assistecwaff, que fabrica máquinas para a indústria alimentícia e importa
insumos, negociava uma encomenda de R$ 4 milhões. Maurício Alvarenga, diretor
comercial, não sabia como agir. "Não sei como estará a cotação do dólar
daqui a seis meses, que é o tempo necessário para construir a máquina. É um
tiro no escuro." No setor de máquinas, a fatia dos importados saltou de
28,7% em 2003 para 47,2%em 2010.
A fabricante de autopeças Mecano
importa barras de aço da Itália. Ricardo Galvanese, coordenador de comércio
exterior, conta que a importação foi negociada com o euro a R$ 2,20, mas a
divisa pulou para R$ 2,50 semana passada. "Se o real seguir em queda,
dificilmente vamos repassar para as montadoras. O prejuízo será nosso."
Dívidas. Outra maneira de
aliviar o peso do real forte foi se endividar em dólar. A dívida externa do
setor privado saltou de R$ 160,5 bilhões em 2007 para R$ 346,9 bilhões em
agosto deste ano, segundo o Banco Central. Nos últimos dias, empresas correram
para fazer "hedge" (proteção) no mercado financeiro, evidenciando sua
vulnerabilidade. "Os custos de mão de obra e energia já vinham altos. Com
a virada do câmbio, as margens de lucro das empresas estreitaram ainda
mais", diz Júlio Sérgio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de
Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi).
O economista David Kupfer diz que
a queda do real impacta imediatamente nos custos, mas o problema pode ser
amenizado por exportações mais rentáveis. Ele afirma que as empresas
brasileiras desenvolveram flexibilidade para fazer o caminho contrário e buscar
fornecedores locais, mas o processo dura cerca de um ano. "Por isso, é
importante que a desvalorização não seja rápida demais para evitar o impacto
inflacionário."
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