O Bolsa Família e as outras tantas bolsas que você desconhece
(*) Marco Antonio Sanná -
O programa “Bolsa Família” vem sendo massacrado pela imprensa, por intelectuais, pela classe média, enfim, por nós que nos achamos mais que os que recebem, porque somos autossuficientes, batalhadores , partimos em busca dos nossos anseios , etc., etc., etc.
Estive pensando… A maioria que recebe a tal Bolsa Família é gente que habita o interior do Nordeste, o sertão do Nordeste, onde não é fácil viver.
Você, mulher que ao despertar acorda o maridão que vai viajar a negócios, afinal ele é um gerente sabe-se lá de quê, voa para acordar as crianças para irem para escola, faz o café da manhã da família, corre para se arrumar, tira o creme que passou no rosto para não envelhecer tão rapidamente, se maquia para ficar linda, enquanto pensa como organizar seu dia. O trânsito que como sempre estará insuportável já lhe aborrece antes mesmo de entrar no carro, sem falar que ainda precisa deixar as crianças na escola. É você mesma que malha o Bolsa Família.
Ela, a outra que recebe o benefício desperta com os primeiros raios de Sol que entram por uma janela geralmente feita de tabuas de caixote, acorda o marido para a lida e a caça. Sim, a caça, que alimentará a família, pois a pouquinha criação morreu por causa da seca, então a ele resta o pau de fogo, uma tosca arma feita em casa, espécie de garrucha com a qual vai espreitar preás, numa luta curiosa pela vida entre os dois seres do sertão.
Voltemos a ela… Antes de acordar as crianças, ela corre uns três quilômetros até o rio, para voltar com uns 20 litros de água barrenta em lata que se equilibra na cabeça. É com essa água que ela dá banho nas crias, tomar o seu e cozinha, isso se o maridão caçar a preá. Ela não passou creme, não se maquia, mesmo que quisesse os sulcos na pele são tão profundos que a maquiagem sumiria entre eles. Os filhos vão pra escola também, andarão uns 10 km descalços, num chão que Sol rachou como fez com a pele dela e do caçador. É obrigatório que as crias vão para escola, é o contraponto para fazer jus ao Bolsa Família.
Sim, ela tem uma penca de filhos, todos paridos de cócoras, em casa e com ajuda de uma parteira, misto de benzedeira. Aí, você mulher diz: Procria porque quer… Não é bem assim.
Ela não tem dinheiro para contraceptivos. O esposo (assim elas se referem a eles) você sabe como é , quando quer te usar, usa mesmo, independentemente de ser o sertanejo ou homem da cidade, é próprio deles. Aí a bichinha emprenha. Tem jeito não.
Preste atenção, não estou lhe censurando, você apenas está malhando a bolsa errada. Explico: Já ouviu falar na Bolsa Gerdau, Bolsa Votorantim, Bolsa JBS, Bolsa Sadia/Perdigão, Bolsa CSN, Bolsa Empreiteira, Bolsa Operadoras de telefonia incluídas aí as estrangeiras, Bolsa Montadoras, Bolsa Meios de Comunicação, Bolsa Banco e a mais recente delas, Bolsa Abílio Diniz?
Pois vou explicar: Essas empresas e esses cidadãos são beneficiários de recursos bilionários, conseguidos através do BNDES. Ah! Os recursos (aqui chamo dinheiro de recursos) porque essa é linguagem usual, não se fala dinheiro.
Com esses “recursos”, que são seus, por sinal, essas empresas cresceram, compraram outras, se expandiram além fronteiras. Os juros eram camaradas subsidiados por você, mulher que está preocupada com o trânsito ainda. Mas não bastava a bolsa, então inventou-se que esses recursos seriam concedidos contra uma participação acionária do BNDES. Então você pensa: sou então acionista dessas empresas. Não é não amiga!
Há cláusula de recompra dessas participações pelo valor da cotação de mercado do dia . Ah! Ah! Você já percebeu que os preços das ações serão manipulados para baixo quando se decidir recomprar a sua participação? Esperta, estou gostando de falar com você!
Mas vou falar da bolsa Abílio, agora. Esse cidadão quis dar um golpe no sócio francês Jean-Charles Naouri, aliado ao BTG. Opa! BTG, o que é isso? É um banco de investimentos capitaneado por um gênio dos negócios, André Esteves. Pois bem, esses senhores queriam comprar a operação do Carrefour no Brasil com o dinheiro do BNEDS, somar a essa operação o já existente Pão de Açúcar, diluir a participação do grupo francês Casino no negócio e perpetuar Abílio no seu trono de maior varejista do país.
O esperneio do francês que veio ao BNDES “conversar”, sabe-se lá com que tipo de munição na cintura, abortou a operação, exerceu seu direito de tornar-se acionista majoritário do Pão de Açúcar e vem castigando Abílio Diniz, humilhando-o dentro da empresa fundada por seu pai.
Mas o Abílio é brasileiro e não desiste nunca!
Sua nova jogada é ser Presidente do Conselho da BRASIL FOODS, que é a união da Sadia com a Perdigão. (Cabe aqui uma pausa para esclarecer que a Sadia, que pertencia à família do ex-ministro Luiz Fernando Furlan, quebrada que estava, foi salva por uma fusão com a Perdigão que pertencia a fundos de pensão, que por acaso foram criados para beneficiar os funcionários de empresas estatais, ou seja, você, minha amiga, preocupada ainda com trânsito, paga a eles uma aposentadoria privilegiada que jamais terá.) Segundo o mercado financeiro, a Brasil Foods vale hoje cerca de R$ 40 bilhões ou mais .
O cidadão Abílio pleiteia a Presidência do Conselho dessa empresa, para isso vendeu através do Fundo Santa Rita, de sua propriedade, R$ 1,5 bilhão em ações do Pão de Açúcar, sabe-se lá para quem, porque, convenhamos, as ações do Pão de Açúcar não têm essa liquidez toda para num dia ser tão negociada. Será que você virou sócia do Pão de Açúcar e não sabe ainda?
Vou terminar. Com esses “recursos” Abílio pretende comprar ações da Brasil Foods. Percebeu? Boa menina! Continuo então… se ele comprar em ações o equivalente a, digamos, R$ 2 bilhões, terá quase 5% de participação na Brasil Foods . Já orquestrado está o apoio dos fundos de pensão Previ 12%, Petrus 10% e Tarpon 8%, este último já foi acionista do Pão de Açúcar na época Abílio. As participações, incluída a de Abílio Diniz, somariam 35%. É o Abílio na Presidência do Conselho de Administração da Brasil Foods, gente!
A julgar pelo que tentou fazer com o Naouri, imagine o que ele fará com a gente?
E você, amiga, que já deve ter vencido o trânsito e chegado uma gata no trabalho, continua malhando e se preocupando com o Bolsa Família. Pensa bem e tenha um bom dia!
(*) Marco Antonio Sanná, ex-diretor de Obras do Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp), é empresário rural.
Fonte: http://ucho.info/?p=64281