A propósito da atualíssima agenda de debates que ora se travam na pesada arena de Copenhague, entre raios e trovões, vale resgatar um tema que vem se tornando relevante por seu papel na economia brasileira – o sucesso do agronegócio e as implicações positivas e negativas que esse protagonismo tem amealhado, a ponto de transformar-se em alvo preferencial dos ambientalistas, internacionais e nacionais.
Nosso Estado, a exemplo de outros do Brasil Central, teve na pecuária a base econômica para a constituição de sua identidade territorial junto à Federação, permanecendo sua primazia ainda durante as primeiras décadas do século XX. Mesmo depois do crescimento da agricultura, indústria em geral, comércio e dos serviços, continua sendo um dos principais itens da nossa pauta de exportações.
Vejo com muita preocupação e interesse as posições assumidas pelos ambientalistas durante a Conferência do Clima em Copenhague, que merecem a análise da comunidade científica brasileira no sentido de esclarecer a verdade sobre impacto causado pelas áreas ocupadas pela pecuária, do ponto de vista ambiental, econômico e social.
Nesse sentido, é esclarecedor o artigo do jornalista Carlos Alberto Sardenberg*, abalizado comentarista de economia, publicado hoje no espaço de Opinião do jornal O Estado de São Paulo, que transcrevo, a seguir:
Boi verde, boi criminoso
“Não é exagero dizer que o agronegócio salvou o Brasil. Ao gerar superávits comerciais de US$ 40 bilhões/ano, deixou aqui uma sobra de dólares que foram comprados pelo governo e incorporados às reservas do Banco Central. Isso permitiu ao Brasil superar o velho problema do financiamento da dívida externa. Se não fossem as reservas, em grande parte geradas pelo agronegócio, repito, o Brasil teria quebrado nesta última crise. E quebrado, no caso, significaria recessão, eliminação muito maior de empregos, perda de renda e aumento da pobreza.
Além disso, o agronegócio puxou negócios em toda a economia brasileira. Forneceu alimentos, especialmente a proteína da carne, para populações brasileira e no mundo todo. Ou seja, há razões para dizer que o agronegócio brasileiro é um caso de sucesso.
Há algum tempo era também um sucesso ambiental. Foi no período da "vaca louca", doença adquirida por animais confinados e alimentados com rações. Na ocasião, o boi brasileiro ganhou status de "boi verde", duplamente saudável. Primeiro, porque só comia grama e, segundo, porque crescia caminhando pelos pastos, sendo mais musculoso e menos gordo.
Há algum tempo era também um sucesso ambiental. Foi no período da "vaca louca", doença adquirida por animais confinados e alimentados com rações. Na ocasião, o boi brasileiro ganhou status de "boi verde", duplamente saudável. Primeiro, porque só comia grama e, segundo, porque crescia caminhando pelos pastos, sendo mais musculoso e menos gordo.
Hoje o Brasil é o maior exportador mundial de carnes e um dos maiores em alimentos em geral. E o agronegócio tornou-se alvo preferencial de boa parte dos ambientalistas, internacionais e nacionais.
Acusações: as pastagens estão no lugar de matas nativas e parte delas se fez com o desmatamento da Amazônia; a atividade é poluente, ao usar máquinas e veículos motorizados, queimando petróleo, fertilizantes, adubos; e o boi e a vaca emitem gases metano com seus arrotos e puns.
Mas o problema maior parece ser a Amazônia, já que todas as pastagens e toda a agricultura do mundo estão no lugar de matas nativas e já que o boi arrota igual em todo mundo. Toda agricultura é uma intervenção na natureza.
O problema na Amazônia é real. Há pecuaristas e assentados da reforma agrária que derrubam árvores para criar bois. Mas há também grileiros e índios que derrubam árvores para vender como madeira. Tudo ilegal e, não raro, violento.
É certo que isso não pode continuar e que o objetivo de desmatamento zero é um bom objetivo. Mas isso não pode condenar a pecuária como um todo, que tem no Brasil graus de eficiência elevada em várias regiões.
Além disso, qual é a ambição, justa, dos povos mais pobres? Ter, por exemplo, um consumo de proteína nos níveis do Primeiro Mundo, com o que serão mais saudáveis, morrerão menos, viverão mais, serão mais altos e... mais gordos. Ou seja, o mundo precisa e quer mais carne - e, especialmente, quer carne barata, como é a brasileira.
Dizer que a carne brasileira seria a mais cara do mundo se incorporasse no seu preço os custos ambientais é um argumento duvidoso. Porque aí seria preciso incorporar esses custos em toda a atividade econômica. Assim, quanto custaria uma passagem de avião Rio-São Paulo? Qual o custo ambiental num aparelho de TV? Num celular? E, nessa sequência, esses produtos seriam acessíveis apenas aos mais ricos.
O.k., há tecnologia para produzir mais carne em menos espaço, no caso brasileiro, nas pastagens já existentes, e com bois e vacas que arrotem menos e soltem menos puns. Mas essa tecnologia precisa ser desenvolvida e implantada, o que custa dinheiro. É preciso financiar essas inovações tecnológicas.
Há teses segundo as quais o esforço de aumentar a produção é inútil, pois não haveria condições de produzir carne para uma humanidade em expansão. Ou , mais amplamente, que a Terra não suporta uma população crescente, com ambições de ter padrões de consumo semelhantes aos do Primeiro Mundo.
Se isso for verdade, qual a consequência? Que os povos mais pobres terão de abrir mão de aumentar seu consumo de tudo, de carnes a celulares e automóveis. Com isso, e convencendo-se os mais ricos a reduzir seu padrão, a coisa estaria resolvida. Agora, quem vai dizer para os pobres que eles não podem comer carne nem ter carro?
Estou fazendo caricatura? Pode ser, mas o ponto é este: precisamos de uma economia mais limpa, sem dúvida, não podemos mais desmatar a Amazônia, mas também precisamos aumentar a produção de alimentos e de bens de consumo.
Não adiantará nada ter uma economia limpa que não forneça alimentos e conforto aos povos. A transição para a economia limpa é, pois, extremamente complexa, porque é preciso manter um tipo de produção atual enquanto se criam e aplicam novas modalidades.
Não adiantará nada ter uma economia limpa que não forneça alimentos e conforto aos povos. A transição para a economia limpa é, pois, extremamente complexa, porque é preciso manter um tipo de produção atual enquanto se criam e aplicam novas modalidades.
Por que ninguém propõe uma regra mundial do tipo: só se pode vender carro elétrico daqui em diante? Porque seria uma coisa acessível apenas aos mais ricos, exatamente esses que estão bem e cujo nível de consumo deixou poluição por toda parte. E porque os chineses e indianos, para não falar dos brasileiros, continuariam a fazer os seus carrinhos a gasolina ou coisa pior.
Resumindo: o mundo inventou a agricultura, domesticou e criou os novos bois e porcos, aumentou extraordinariamente a produção de alimentos mais baratos, eliminou a fome para bilhões de pessoas. Criou o conforto da sociedade de consumo e... destruiu ambientes, e parte da humanidade ficou rica com isso, outra parte está na classe média e outra continua pobre. E agora?
Concordo com o que disse a revista The Economist: mesmo que haja dúvidas quanto ao processo de aquecimento global, vale a pena combatê-lo no mínimo como um seguro. Mesmo que os céticos tenham razão, ainda assim existiria uma possibilidade de que não tivessem, de modo que seria muito risco não fazer nada desde já.
Agora, seguros são caros e complexos - e não podem ser tão caros que inviabilizem o bem segurado.
Em tempo: não é a primeira vez que cientistas dizem que faltarão alimentos.”
*Site: www.sardenberg.com.br
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