domingo, 20 de dezembro de 2009

“... um crescimento perpétuo não pode ser acomodado num planeta finito”


Acabou a Conferência de Copenhague – COP-15, com pouquíssimos resultados práticos nos acordos de cooperação entre os países desenvolvidos, a fim de reduzir a emissão de gases que causam o efeito-estufa. Mantidos os atuais índices de poluição, o aquecimento global decorrente dos processos de desenvolvimento econômico, elevará a temperatura média da terra em mais de 2 graus centigrados nas próximas décadas, com consequências desastrosas para ambientes naturais e habitados, em  vários continentes.


Neste domingo, revendo em blogs e jornais as repercussões e os resultados do Conclave Ambiental, deparei-me com um interessante artigo publicado no O Estado de São Paulo, de autoria do jornalista, escritor e ambientalista inglês, George Monbiot, que reproduzo na íntegra, abaixo.


Embora longa, esta foi a mais ampla e lúcida reflexão que li sobre o homem e a suas interrelações com outros seres humanos e com o meio ambiente, que deveria ser lida por todos, especialmente pelos gestores de políticas públicas de nosso país.


O Homem na encruzilhada universal
Ou nos redefinimos ou viveremos num deserto
George Monbiot* - O Estado de S.Paulo


Este é o momento em que ficamos diante de nós mesmos. Aqui, nos corredores de plástico e salas abarrotadas, entre textos impenetráveis e procedimentos áridos, a humanidade decidirá o que ela é e o que vai ser. Escolherá se continua vivendo como tem feito, até transformar seu lar num deserto, ou vai parar e se redefinir. Isso diz respeito a muito mais que mudança climática. Diz respeito a nós.
A reunião em Copenhague nos coloca face a face com nossa tragédia primordial. Somos o macaco universal, equipado com o engenho e a agressão para derrubar uma presa muito maior que ele, desbravar novas terras, rugir seu desafio às limitações naturais. Agora nos vemos cercados pelas consequências de nossa natureza, vivendo docilmente neste planeta abarrotado, por temor de provocar ou prejudicar outros. Temos o coração de leões e vivemos a vida de burocratas.
A premissa da cúpula é que a idade do heroísmo acabou. Entramos numa era de acomodação. Não poderemos mais viver sem restrições. Não poderemos mais atirar nossos punhos independentemente de qual nariz possa estar no seu caminho. Em tudo que fazemos precisamos agora atentar para as vidas dos outros, cautelosos, contidos, meticulosos. Não podemos mais viver o momento como se não houvesse amanhã.
Este é um encontro sobre química: os gases causadores do efeito estufa isolando a atmosfera. Mas é também uma batalha entre duas visões de mundo. Os homens irados que tentam impedir esse acordo, e todos os limites à sua autorrealização, compreenderam isso melhor que nós. Um novo movimento, mais visível na América do Norte e na Austrália, mas agora aparente em toda parte, pede que se pisoteie nas vidas de outros como se isso fosse um direito humano. Ele não será restringido por impostos, leis sobre armas, regulamentos, saúde e segurança, e especialmente por restrições ambientais. Esse movimento sabe que os combustíveis fósseis asseguraram ao macaco universal uma expansão além de seus sonhos paleolíticos. Por um momento, um momento maravilhoso, limítrofe, eles nos permitiram viver em abençoada insensatez.
Os homens irados sabem que essa idade de ouro acabou; mas não conseguem encontrar as palavras para as restrições que odeiam. Segurando seus exemplares do Atlas do Desdém, eles se agitam, acusando os que os impedem de serem comunistas, fascistas, religiosos, misantropos, mas sabendo no seu íntimo que essas restrições são movidas por algo bem mais repulsivo ao homem desregrado: a decência que devemos a outros seres humanos. Tenho medo desse coro de intimidadores, mas também me compadeço deles. Levo uma vida razoavelmente pacata, mas meus sonhos são assombrados por bisões gigantes. Todos aqueles de nós cujo sangue ainda corre são obrigados a sublimar, a fantasiar. Em devaneios e videogames, descobrimos as vidas que as limitações ecológicas e os interesses alheios nos proíbem de viver.
A humanidade já não está dividida entre conservadores e liberais, reacionários e progressistas, embora ambos os lados sejam informados pela política antiga. Hoje, as linhas de batalha são traçadas entre os favoráveis à expansão ilimitada e os limitadores; os que acreditam que não deva haver empecilhos e os que acreditam que precisamos viver dentro de limites. As batalhas pérfidas que vimos até agora entre verdes e os que negam as mudanças climáticas, defensores da segurança nas estradas e corredores alucinados, grupos de base verdadeiros e agitadores virtuais anônimos bancados por corporações são apenas o começo. Essa guerra ficará muito mais cruel à medida que as pessoas romperem os limites da decência.
Assim, aqui estamos nós, na terra dos heróis de Beowulf, perdidos numa névoa de siglas e eufemismos, parênteses e isenções, a diplomacia fatal requerida para acomodar as pretensões de todos. Não há espaço para heroísmo aqui. Toda paixão e poder se quebram contra as necessidades alheias. É assim que deve ser, embora todos os neurônios se revoltem contra isso.
Apesar de os delegados estarem despertando para a escala de sua responsabilidade, eu ainda acredito que eles nos venderão. Todo o mundo quer sua última aventura. Quase ninguém, nos partidos oficiais, aceitará as implicações de viver dentro de nossos meios, de viver com o amanhã em mente. Sempre haverá, eles se dirão, uma nova fronteira, outros meios para escapar de nossas limitações, para despejar nossas insatisfações em outros lugares e outros povos. Pairando sobre tudo que é discutido aqui está o tema que não ousa dizer seu nome, sempre presente, mas nunca mencionado. O crescimento econômico é a fórmula mágica que permite que nossos conflitos permaneçam sem solução.
Enquanto as economias crescem, a justiça social é desnecessária, já que as vidas podem ser melhoradas sem redistribuição. Enquanto as economias crescem, os povos não precisam enfrentar suas elites. Enquanto as economias crescem, podemos continuar comprando a saída dos problemas. Mas, como os banqueiros, só nos esquivamos dos problemas de hoje multiplicando-os no futuro. Mediante o crescimento econômico estamos emprestando tempo a taxas de juros punitivas. Isso garante que quaisquer cortes acertados em Copenhague acabarão sendo superados. Mesmo que consigamos impedir um colapso climático, o crescimento significa que é apenas uma questão de tempo para atingirmos um novo limite, que demandará uma nova resposta global: petróleo, água, fosfato, solo. Vamos cambalear de crise em crise existencial a menos que enfrentemos a causa subjacente: um crescimento perpétuo não pode ser acomodado num planeta finito.
Apesar de toda sua sincera moderação, os negociadores na cidade de plástico continuam não sendo sérios, mesmo sobre a mudança climática. Há outro grande impronunciável aqui: suprimento. A maioria dos Estados-nação que se digladiam em Copenhague tem duas políticas para combustíveis fósseis. Uma é reduzir ao mínimo a demanda, incentivando-nos a diminuir o consumo. Outra é aumentar ao máximo a oferta, estimulando as empresas a extraírem o máximo que puderem do solo.
Nós sabemos, pelos trabalhos publicados na revista Nature de abril, que podemos usar no máximo 60% das reservas atuais de carvão, petróleo e gás para a temperatura média global não aumentar mais de 2°C. Podemos queimar muito menos se, como muitos países mais pobres insistem, procurarmos impedir a temperatura de subir mais de 1,5°C. Sabemos que captura e armazenamento eliminarão apenas uma pequena fração do carbono desses combustíveis. Há duas conclusões óbvias: os governos devem decidir quais reservas existentes de combustíveis fósseis deverão ser deixadas no solo, e devem introduzir uma moratória global à prospecção de novas reservas. Nenhuma dessas propostas foi posta em discussão.
Mas, de alguma maneira, esta primeira grande batalha global entre os defensores da expansão ilimitada e os limitadores terá de ser vencida e depois as batalhas que surgirão após ela - consumo em alta, poder corporativo, crescimento econômico - terão de começar. Se os governos não mostrarem alguma determinação sobre a mudança climática, os defensores da expansão atacarão as fraquezas dos limitadores. Eles atacarão - usando as mesmas táticas de negação, ofuscamento e apelos ao interesse próprio - as outras medidas que protegem pessoas umas das outras, ou que impedem a destruição dos ecossistemas mundiais. Não há um fim para essa luta, nenhuma linha que essas pessoas não cruzarão. Elas também estão cientes de que esta é uma batalha para redefinir a humanidade, e querem redefini-la como uma espécie ainda mais rapinante do que é hoje.
*Jornalista, escritor e ambientalista britânico, autor, entre outros, de Heat (Penguin), Bring on the Apocalypse (Atlantic Books) e A Era do Consenso (Record)

Um comentário:

Prof.Ms. João Paulo de Oliveira disse...

Prezado Vulmar Leite:
Enquanto não invertermos a premissa da frase que o Senhor colocou em pauta não vislumbro dias melhores, para o nosso maltratado e fascinante mundo...
O que nos espera?!...
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Diadema-SP