terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O caso Cesari Battisti I

Estou acompanhado o debate que se trava na imprensa brasileira sobre a decisão do ministro Tarso Genro, que concedeu a condição de refugiado ao cidadão italiano Cesare Battisti, condenado pela justiça daquele país à prisão perpétua por crimes de sangue que teria cometido. Não sou versado em direito, até tentei embrenhar-me no assunto cursando algumas disciplinas na nossa Uri, por isso não vou atrever-me a juizo de valor sobre a fundamentação jurídica que embasou a decisão do ministro, talvez revele minha visão política sobre o assunto no momento em que formar convicção sobre o fato. Mas também não vou deixar de publicar as versões, à favor e contra, que são manisfestadas por juristas de renomado conhecimento. Inicio com o entendimento do procurador da República de Milão (Itália), Armando Spataro, 60, coordenador do Departamento contra o Terrorismo, que assim se manifesta:

"Integrei o Ministério Público italiano, no âmbito do qual, ao lado de outros magistrados, conduzi as investigações que levaram às condenações contra Cesare Battisti. Portanto, em relação à decisão do ministro Tarso Genro, espero poder oferecer à opinião pública brasileira uma contribuição para a verdade, com a finalidade de preencher as lacunas de informação sobre as quais aquela decisão encontra-se fundamentada. Com efeito, é difícil para os italianos entender como a um assassino puro como ele pode ter sido reconhecido o refúgio. É oportuno partir dos fatos para desmontar os argumentos frequentemente utilizados por Battisti e seus "amigos".

1) Battisti não é um extremista perseguido na Itália por seus ideais políticos, e sim um criminoso comum que praticava roubos com o fim de lucro pessoal e que se politizou na prisão. Em seguida, filiou-se a uma organização terrorista que praticou lesões corporais e homicídios. Battisti foi preso em junho de 1979 com outros cúmplices em uma base terrorista de Milão, onde foram apreendidos metralhadoras, revólveres, fuzis e documentos falsos. Com certeza, portanto, não se tratava de dissidente político!

2) Battisti foi condenado à prisão perpétua por muitos graves crimes, entre os quais também quatro homicídios: em dois destes (homicídio do marechal Santoro, praticado em Udine em 6/6/78; homicídio do policial Campagna, praticado em Milão em 19/4/79), foi ele a atirar materialmente nas vítimas; em outro homicídio (o de L. Sabbadin, um açougueiro morto em Mestre, em 16/2/79), deu cobertura aos assassinos, e, no quarto (o homicídio de P. Torregiani, acontecido em Milão, em 16/2/79), colaborou na sua organização. Gostaria de perguntar ao ministro brasileiro quais motivações políticas enxerga nos homicídios de um joalheiro e de um açougueiro, "justiçados" por vingança (por terem reagido com as armas aos assaltos sofridos) ou nos homicídios de policiais que cumpriam seu dever.

3) Não é verdade que Battisti foi condenado somente com base nas acusações do delator premiado Pietro Mutti; tampouco é verdade que este não fosse confiável. Afirmar isso significa ofender a seriedade da Justiça italiana. As confissões de Pietro Mutti, com efeito, foram confirmadas por inúmeros outros testemunhos e pelas sucessivas colaborações de outros ex-terroristas. A verdade, portanto, está escrita nas sentenças, que pesam como pedras enormes e que se encontram à disposição de todos os que tenham a paciência de as ler.

4) Não é verdade que a Battisti foi negada a possibilidade de se defender nos processos em que estava ausente. Na verdade, foi Battisti quem se furtou à Justiça, evadindo-se em 1981 da carceragem em que estava preso. Não por acaso a Corte Europeia de Direitos Humanos de Estrasburgo (França) negou provimento ao recurso de Battisti contra a concessão de sua extradição por parte da França, julgando-o, por essa razão, "manifestamente sem fundamento" e afirmando que, de qualquer forma, em todos os processos ele foi assistido por seus advogados de confiança. Será que também a corte de Estrasburgo está perseguindo Battisti?

5) É falso que a Itália e seu Judiciário não foram capazes de garantir a tutela dos direitos das pessoas acusadas de terrorismo durante os denominados "anos de chumbo". Trata-se de uma afirmação que nos fere.

Inúmeros foram os magistrados, os advogados, os homens das instituições, os policiais assassinados de maneira vil por pessoas como Battisti pelo simples fato de aplicarem a lei. A Itália, no contexto da luta contra o terrorismo, não conheceu tribunais de exceção ou militares nem desvios antidemocráticos. Tal fato foi ressaltado também por nosso presidente da República Sandro Pertini, que afirmou que a Itália podia louvar-se de ter vencido o terrorismo nas salas dos tribunais, e não "nos estádios", aludindo aos métodos ilegais que nós não conhecemos e aos quais também hoje nos opomos.

Acredito que o refúgio não foi concebido pelos fundadores de nossas democracias para garantir a impunidade de pessoas como Battisti, um dos assassinos mais cruéis e frios que o terrorismo italiano conheceu e que nunca se dissociou do uso das armas. Espero, com todo o respeito, portanto, que as autoridades brasileiras competentes tenham a possibilidade de rever suas próprias decisões. Não pelo fato de a justiça ser equivalente à vingança, mas pelo fato de ela representar o lugar da afirmação das regras do Estado de Direito: e quem as violar, ainda mais se matar o próximo, deve pagar. Do contrário, as democracias desmentem a si mesmas."


Fonte: Prosa & Política

Um comentário:

FROILAM DE OLIVEIRA disse...

Importante esse contraponto italiano, reforça minha opinião de que mais uma vez erraram as autoridades brasileiras.
ABÇ