sábado, 8 de novembro de 2008

Autobiografias na opinião de Dayana Pessota Leite

“Descobri, não sem dor, que qualquer mentecapto era capaz de escrever”, disse certa vez Rudyard Kipling, frase citada pela ótima jornalista e escritora espanhola Rosa Montero em seu delicioso livro A Louca da Casa, o que vem bem a calhar, porque estou impressionada com o número de autobiografias que estão sendo publicadas ultimamente. E muitas pessoas na casa dos vinte, dos trinta, dos quarenta anos, que nem chegaram na metade de suas vidas para que seja possível saber o final da história.

A onda agora é vamos falar sobre mim, sobre a vida difícil que tive, sobre como consegui superar os desafios, quebrar barreiras, entrar e sair da prostituição, da pobreza, do luto e por aí vai. Alguns se tornam celebridades da hora, como Bruna Surfistinha, outras já adquiriram tal status, como Gabriel o Pensador, mas há outros e outras que são anônimos de algum rincão, conhecidos apenas no meio restrito em que vivem.

Eu também quero falar sobre mim e o quanto estou me descobrindo a cada instante. Mas felizmente tenho muitos anos ainda para viver e, espero, enriquecer a minha história, além de preferir manter respeito pelos outros ao não impor minha biografia a todo instante nas conversas com amigos e colegas ou, ainda, pagar publicação e tentar vendê-la em livrarias e feira de livros.

Uma outra frase famosa e citada com freqüência é de que “minha vida daria um romance”. Eu acredito que a minha e todas as vidas dariam um romance. Algumas histórias seriam engraçadas, outras trágicas e amargas e outras tantas meio enfadonhas, mas ainda assim histórias que podem ser contadas. Diferente, no entanto, é uma autobiografia. Para mim, uma autobiografia é quase um acinte, uma versão sempre parcial e normalmente amorosa da própria pessoa que escreve, que tenta fazer de sua vida uma lenda (aos seus olhos) e por isso muitas vezes omite fatos dos quais não se orgulha ou se envergonha ou, ainda, que possa lhe deixar de alguma forma fragilizado perante a opinião pública. Uma autobiografia não tem valor literário nenhum, pois não passa de propaganda de si próprio com o propósito de tentar confirmar materialmente sua auto-importância em busca do que todo mundo deseja, ou seja, reconhecimento público.

O biógrafo de si próprio busca ser reconhecido pelas lutas, pelos desafios que enfrentou, pelo seu esforço ou algo do gênero para alimentar seu narcisismo, egocentrismo ou qualquer “ismo” que deixe claro o quanto tal pessoa precisa de opiniões de fora para se considerar alguém importante no seu íntimo. Eu me sentiria constrangida em ter que ler uma autobiografia. Até um diário íntimo seria mais interessante, pois como normalmente a pessoa que escreve não tem interesse em publicá-lo e, por isso não se preocupa com o que os leitores pensarão a seu respeito, se expõe bem mais e assim fazendo, mostra facetas mais interessantes, às vezes positivas, como generosidade e outras menos, como atos sórdidos e pouco dignos e que pode trazer certa emoção e surpresa para a história.

É diferente, no entanto, uma biografia contada por um terceiro (e desde que não encomendada), pois seria uma história escrita de forma mais desapaixonada e, portanto, mais isenta, uma visão baseada em fatos, relatos de pessoas que se relacionam com o biografado o que o coloca sob diferentes perspectivas. Diferente também - e deveras interessante - é quando o autor cria uma história onde há um personagem ou vários inspirados nele próprio, ou seja, um romance com toques autobiográficos, pois libera bem mais o narrador, que se sente mais livre para criar o caráter de seus personagens e contar suas aventuras e desventuras, já que os leitores não saberão definir até onde vai a ficção e até onde vai a realidade. Creio, inclusive, que em toda criatura há traços, ainda que mínimos, do seu criador.

Um dos meus desejos de Natal, portanto, é que as autobiografias fiquem restritas à biblioteca familiar e que desapareçam das livrarias, sebos e lançamentos de feiras de livro.

Dayana Pessota Leite

2 comentários:

JÚLIO GARCIA disse...

Prezada Dayana, parabéns pelo artigo. Estás correta, biografias 'autorizadas' ou autobiografias tem valor histórico e credibilidade ... muito próximas de zero!
Abraço,
Júlio Garcia

Anônimo disse...

Auto-propaganda de si próprio. Essa tá boa. Até para obter o reconhecimento é preciso saber escrever.